São quatro da manhã em Los Angeles. Quatro desconhecidos se juntam na rua combinada. Vão equipados de rodos, stencils e tinta branca. Na pista pintam a ciclovia “clandestina”, ciclovia que para durar deverá permanecer no anonimato, para que a cidade não a descubra e apague. Não há fotos, não há vídeos, somente a adrenalina que libera um estilo muito peculiar de subversão.
Em Toronto, o célebre Toronto Urban Repair Squad sai às ruas e pinta faixas, entre outras atividades. Em Nova York, Chicago, Londres, Guadalajara, Vancouver, Sidney, Tóquio e México surgem grupos e indivíduos cujo propósito é fazer intervenções urbanas para melhorar a cidade. Alguns plantam jardins “guerrilheiros”, outros trocam publicidade comercial por arte, outros constroem bancos, revitalizam calçadas ou constroem parques de patinação/skate. A ideia subjacente é: “se é necessário, e o governo não o faz, faça você mesmo”.
Se trata dum movimento relativamente recente. Ou melhor, um movimento que recentemente foi concebido como tal, tem chamado a atenção e foi batizado como “Urbanismo: Faça Você Mesmo” (DIY urbanism, em inglês). No entanto, a ideia é antiga. Boa parte das cidades foi construída ou melhorada assim. No México muitas colônias eram antigos assentamentos irregulares que pouco a pouco foram formalizados graças a uma grande série de ações de melhoramento urbano feita por seus habitantes.
O surgimento destes grupos parte, por um lado, de certo descontentamento com a inércia do urbanismo dominante, que favorece o automóvel sobre o pedestre e o ciclista, e que promove cidades impessoais. A maioria das intervenções busca dar espaço para a bicicleta, ao pedestre, melhorar a estética e dar um toque mais humano às cidades. Há um forte componente artístico nestes grupos. Por outro lado, responde a crescente incapacidade de resposta por parte dos governos. Pedir uma ciclovia numa cidade americana é um processo de, em média, 10 anos, que requer petições, lobby, muitos estudos de viabilidade social e econômica, mobilização incansável e uma paciência proverbial. Contra estruturas cada vez mais complexas, mais alheias, mais burocráticas, a resposta é direta: faça você mesmo. Junte um grupo, consiga os fundos para comprar os materiais e faça.
Estes “reparadores urbanos” tendem a ser jovens, educados, com certa formação em temas do urbanismo, vinculados por suas atividades profissionais com temas afins. Em muitos casos o resultado de suas intervenções se parece muito com o que as autoridades teriam feito; o que as torna mais eficazes. Em outros casos, o perfil marcadamente artístico dota a ação de um suave gosto de anarquismo.
Em termos teóricos, o precedente pode ser considerado perigoso: um grupo de cidadãos que se atribuem à funções que correspondem ao Estado. Em termos práticos, é uma forma direta e construtiva de participação cidadã. Um grupo de citadinos que, conhecendo as necessidades de um espaço específico, decidem atuar para melhorá-lo. Um grupo que se soma, de certa forma, a um governo incapaz (seja por falta de recursos ou vontade) para abordar a cidade que ele governa.
Um grupo que supre as necessidades que foram projetadas por urbanistas oficiais (um caso muito próximo é a ponte dos poetas que leva à Santa Fé,México onde os engenheiros construíram uma ponte sem meio-fio, que foi o catalisador para a intervenção do coletivo Haz Ciudad). Um grupo que, independente do que acontece na arena eleitoral, não espera que a mudança venha da mão da alternância de partidos, mas constrói rua por rua, pista a pista, calçada a calçada. Porque é nestes gestos que se inicia a cidadania (que não é por acaso que vem do termo “cidade”).
Por Andrés Ruiz vía Leeparadigmas.com